quarta-feira, 21 de março de 2012

Ai Portugal, Portugal


"Ai Portugal, Portugal"

"O Zé Povinho olha para um lado e para o outro e fica, como sempre... na mesma", esta é a caracterização de um dos bonecos mais carismáticos da história portuguesa. Quem não se lembra do “gorducho”, submisso, humilde e apático que foi e continua a ser esta personagem tão caracterizadora da sociedade portuguesa e do povo português? Ontem chamados de “zé povinhos”, hoje orgulhosamente reconhecidos como os “tugas”, mas na mais pura das essências, as mudanças são cada vez menos visíveis.
Hoje é dia 21 de Março! Há precisamente 166 anos nascia aquele que viria a ser um dos mais importantes artistas portugueses. Rafael Bordalo Pinheiro foi um percursor nas artes do nosso país, tendo desempenhado funções de jornalista, caricaturista, ilustrador, ceramista, entre muitas outras. Em suma, foi aquilo que nós podemos considerar um homem dos sete ofícios.
Uma das principais criações de Bordalo Pinheiro foi então o herói Zé Povinho. Surgiu pela primeira vez em 1875 no periódico português A Lanterna Mágica, considerado o primeiro diário crítico do país. Na sua primeira aparição a público, Zé Povinho não estava sozinho, mas sim acompanhado pelo Ministro da Fazenda da altura, Serpa Pimentel, que na caricatura está a tirar a Zé Povinho uma esmola e a dá-la ao Santo António de Lisboa, que representa Fontes Pereira de Melo, com o menino ao colo, caricaturando D. Luís I. Nessa mesma caricatura surge também um Guarda Municipal com um chicote em punho para se certificar de que o pobre cumpre com a sua “obrigação”.
“(...) ele é paciente, crédulo, submisso, humilde, manso, apático, indiferente, abúlico, céptico, desconfiado, descrente e solitário (…)”. Ele é a representação mais fidedigna do típico cidadão português: é aquele que gosta de ver a bola passar, mas sempre sentado no sofá sem muito se mexer, com a cerveja, os tremoços e a mesinha de apoio da sala para gentilmente colocar os pés. Aquele que deixa que tudo à sua volta vá acontecendo, guardando a sua brilhante intervenção para quando ele próprio é atingido pela bola de neve ou como quem diz, quando a “mostarda lhe chega ao nariz”. É aquele que vai aguentando tudo calado, ou então, aquele que vai reclamando em casa “ó que triste sina a minha”, mas, e fazer algo para reverter a situação? “É melhor não, dá muito trabalho”. É o típico português demasiado cansado para sair para a rua e gritar; é o típico português sem ambição e sem vontade de progresso; é o típico português resignado e acomodado.
Ao longo de toda a sua existência surgem-nos também outras facetas desta personagem. “(…) incrédulo, revoltado, resmungão, insolente, furioso, sensível, compassivo, arisco, activo, solidário, convivente...", é desta forma que Zé Povinho é recordado por muitos. O boneco sempre em posição de “toma”, foi a expressão máxima de crítica à sociedade do seu tempo por parte de Bordalo Pinheiro, que assistia ao empobrecer da população, com cada vez menos direitos e cada vez mais “obrigações”, e que observava incrédulo o destruir da sua pátria que outrora fora dona de meio mundo.
As similitudes com os dias de hoje são evidentes. Há cada vez mais “tugas” resignados e estagnados com a sua situação pessoal e com a situação do país. A abulia do dia-a-dia chegou para ficar numa sociedade minada de graves problemas socioeconómicos, para os quais não se avista solução, mas, também, se não há ninguém com vontade para os resolver, é impossível que tal solução seja encontrada e posta em prática.
O Primeiro-Ministro aconselha aos jovens a emigração. Por outras palavras, Pedro Passos Coelho encaminha os jovens para um futuro áureo e próspero fora do país, o que acabará por resultar num abandono de Portugal por parte daqueles que tinham as maiores capacidades de conquistar um excelente futuro permanecendo no nosso país; por parte daqueles que possibilitariam à população portuguesa ter esperança e acreditar na existência de um amanhã.
            Contraditório, ou não, dependendo das opiniões, Cavaco Silva, Presidente da República, veio na semana passada, no polémico prefácio do livro Roteiros VI, afirmar que: “(…)O nosso maior potencial é humano. O nosso maior potencial são os Portugueses, especialmente os jovens – os jovens que não se conformam, que aspiram a um futuro melhor (…)”. Perante esta frase do nosso líder supremo fico baralhada. A pergunta impõe-se: afinal é ou não para sair do país? Pelos vistos, nesta confusão que impera em Portugal, nem o Sr. Primeiro-Ministro, nem o Sr. Presidente da República se entendem. Um aconselha os portugueses a “abandonar o barco”, o outro afirma com todo o orgulho que são os jovens o futuro da nação, mas “Sr. Presidente da Republica, se os jovens acatarem o conselho de Passos Coelho, daqui a uns tempos poucos vão ser aqueles que cá ficam para conduzir a nação, então como é?”
Zé Povinho surgiu numa época de crise e contradições como aquelas que enfrentamos nos dias de hoje. Há século e meio havia quem viesse para a rua e se insurgisse contra os pressupostos estabelecidos; há 150 anos Bordalo Pinheiro não se deixou resignar e criticou, caricaturou, gritou, escreveu, fez algo, mesmo sabendo que isso lhe poderia acarretar consequências. Esse não resignar que conduziu à criação de Zé Povinho é o que falta hoje. Portugal tem uma História repleta de sucessos e de glórias, no entanto, todas essas vitórias são largamente ultrapassadas em tempos de crise.
            Os “tugas” tornaram-se derrotistas e acomodados, sempre à espera do que o futuro lhes trará, o que é totalmente incompatível com a mentalidade progressista que outrora possuímos. Receio e medo são palavras de ordem numa sociedade repleta de “censura” intrínseca, numa sociedade que apesar de ter estatuto democrático, caminha cada vez mais para um beco escuro e apertado. Há que voltar a enfrentar esses medos e lutar contra tudo o que seja visivelmente contra os princípios de liberdade definidos; há que exercer os nossos direitos enquanto cidadãos; há que nos esforçar por fazer de Portugal um país melhor mas, acima de tudo, um país com futuro.
Como Jorge Palma cantara há muito anos:

Ai, Portugal, Portugal 
De que é que tu estás à espera?
 
Tens um pé numa galera
 
E outro no fundo do mar
 
Ai, Portugal, Portugal
 
Enquanto ficares à espera
 
Ninguém te pode ajudar

Hoje é dia 21 de Março. Hoje é o dia do aniversário de Rafael Bordalo Pinheiro. E hoje é o dia de começar a olhar para as coisas de forma diferente; de encarar o mundo e a vida de forma diferente. Hoje é o dia da mudança, porque “enquanto ficares à espera, ninguém te pode ajudar”.




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